Ser CALAMBAUENSE, é ter berço diferente! É recordar o passado, acreditar no futuro e viver o presente.


Livro de visitas

Data: 24/10/2013

De: JCBernardes

Assunto: Um Inesquecível dia dos Pais



O aniversário da Magrelinha seria festejado juntamente com o dia dos pais, já que o Seu Luiz estava morando com um dos filhos e também casa dela, na Praça JK. Tudo em ordem e prático. As andanças do Seu Luiz não eram mais pujantes e ele tornara-se mais quieto, passando grande parte do dia de pijama, pensativo, envolto em longos silêncios, a contrastar com suas histórias, seus casos, suas batidas de xote, seus assobios e, principalmente, com sua incansável mania de andar a pé, a dar notícia de tudo. Tornou-se irreconhecível. Lembro-me de um de seus últimos arroubos de loucura: com alguns companheiros, ir até Piranga a pé, desde Belo Horizonte. Planejávamos, sem que ele soubesse, uma maneira de se colocar batedores a acompanhá-los na rodovia. Uma loucura! Mas, adveio a sua nova fase de vida.

O sábado amanheceu quente com as notícias da festa correndo céleres. 10:00 horas, 10 e 30. De repente tudo muda. O Seu Luiz sumiu! Como assim? Que aconteceu?

Sentado contemplativamente na varanda da casa, de pijama quando visto pela última vez, mansamente sai de casa e entra no ônibus normalmente estacionado no ponto final, quase defronte à casa, e lá se foi. Estabelece-se o caos.

No tumulto, alguém encarrega-se de percorrer os hospitais, incluindo o Medicina Legal. Um comandante da PM, amigo da família foi contatado, estabelecendo-se uma rede de informações através da cidade por intermédio de viaturas e pessoal de rua. No início da tarde, ainda em casa, fiz várias ligações telefônicas para Piranga e Conselheiro Lafaiete comunicando o fato e solicitando informações. Outras pessoas visitavam pontos conhecidos preferidos por ele. Solicitei a companhia do Bernardo e fomos vasculhar o centro da cidade. A partir da Rua da Bahia com Av. Afonso Pena, no sentido Rodoviária, percorremos todas as ruas num determinado perímetro, eu em uma ele em outra. Todas as viaturas policiais e policiais de rua abordados, relatavam saber do ocorrido.

Num determinado ponto resolvemos:

- Não, não é lógico o que estamos fazendo. Um idoso de pijama andando pela rua afora e ninguém dá notícia. Algo está errado. Vamos pra casa.

A casa da Praça JK tornou-se uma confusa assembleia onde todo o mundo falava ao mesmo tempo. Mas, a minha preocupação tinha outro foco. No horizonte formava-se uma atemorizante tempestade, e, para complicar, um dos motoristas do ônibus do ponto final, informou que alguém viu o Seu Luiz na cidade a apanhar o ônibus Pilar. Esse bairro fica além do Belvedere, depois do Anel Rodoviário. Local ermo e acidentado. Em apreensivo silêncio, eu imaginava o que poderia acontecer quando aquela tempestade desabasse. Era irracional. Aos poucos o silêncio foi tomando conta de todos. O cansaço, a tristeza, a incerteza, o pavor... Apenas o telefone falava. Cinco horas. Cinco e meia. Alguém explode.

- O Seu Luiz está no Carrefour do BH Shopping.

Era o Didi, de plantão em casa dando a notícia recebida do Carrefour.

Como o Bernardo e eu entramos no carro e pelo emaranhado Rua Patagônia alcançamos o Belvedere e o Carrefour em apenas 10 segundos, são coisas do outro mundo que não podem ser descritas. O Bernardo ficou no carro estacionado quase dentro da porta de entrada de serviços do supermercado. No andar de cima, em um amplo salão me apresentei a alguém que já esperava pelo assunto. Em uma longa mesa lá estava o Seu Luiz lindamente sentado, de pijama, tomando iogurte e comendo alguns biscoitos e outras guloseimas, rodeado por várias moças.

- Ô Seu Luiz, tá todo mundo preocupado e aguardando você. Que aconteceu? Vamos pra casa!

- Vai não, Seu Luiz - falou uma das moças - fica conosco. Tem mais iogurte aí!

Rapidamente aquele senhor que me recebeu disse que seus olheiros o reparou andando pelo salão do supermercado, abordando-o. Em várias conversações, depois de muito tempo, ele relatou o nome completo do seu filho mais velho. Não houve dificuldade ao encontrar o telefone.

Agradeci a todos, e sob protestos das moças descemos a escadaria. Entramos no carro já recebendo os pingos grossos da chuva que chegava. Tudo escureceu sob forte aguaceiro. Ao entrar na garagem da casa, já noitinha e sob indizível tumulto e correria, lembrei-me do diálogo final no Carrefour:

- Por favor, senhor, há alguma despesa a ser paga?

- Que é isso cara! Foi honroso ter o Seu Luiz em nossa companhia.

- Muito obrigado.

Outubro/2013.


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