Ser CALAMBAUENSE, é ter berço diferente! É recordar o passado, acreditar no futuro e viver o presente.


 PRESIDENTE BERNARDES x CALAMBAU

        Com o seu nome deveras humilde que sempre mereceu o maior respeito, Calambau viveu mais de cem anos no Brasil Colônia, todo o tempo do Império e sessenta e quatro anos na República.

        Como se vê, trata-se de longo passado em que o velho arraial, com os seus casarões banhados de sol, que é fonte universal de vida, e aluminados pela lua, que é madrinha da noite e mãe da poesia, foi crescendo, pouco a pouco. Com o vagar das árvores de lei. Longo e bendito passado em que ele criou a sua personalidade na História, na Geografia e na Política.

        Quando chegou a hora da sua emancipação político-administrativa, habilitou-se para adquirí-la, fazendo questão de que fosse mantido seu topônimo indígena.

        No dia 25 de fevereiro de 1953, o vigário da paróquia, Padre José Nicomedes Grossi, e mais sete cidadãos requereram à CEDAJE – Comissão Especial da Divisão Administrativa do Estado – a citada emancipação, sem alteração toponômica.

        Presidida pelo calambauense Antônio Quintão Carneiro, a Câmara Municipal de Piranga concordou com a criação do novo município, devendo ser mantido o seu topônimo pré-histórico porque dado pelos índios puris, antes de os paulistas chegarem àquela paragem, e, também, no Arquivos das Dioceses do Rio de Janeiro e de Mariana, da Capitania de São Paulo, e da Torre do Tombo, em Lisboa.

        Quase dez meses depois, o Relator Geral declarou no seu parecer: "Espero que esta ilustrada Comissão, atendendo ao nosso apelo, à vontade soberana da população calambauense e às animadoras perspectivas de desenvolvimento que a sua emancipação lhe proporcionará, vote favoravelmente à criação do município de Calambau, com suas atuais divisas".

        Em voto separado, o nobre Deputado Pinto Coelho Filho declarou: "Havendo a Câmara Municipal de Piranga concordado com a pleiteada emancipação de Calambau, deixamos aqui com entusiasmo e júbilo o nosso voto favorável no sentido de se conceder a referida emancipação, com as divisas atuais e com o MESMO TOPÔNIMO, augurando o futuro município constante prosperidade e ao seu povo laborioso e patriota perenes felicidade". E o Deputado Nunes Coelho Filho assim votou: "Conhecendo o Distrito de Calambau desde anos atrás e vindo acompanhando, com interesse, o seu crescente progresso, bem assim, havendo examinado atentamente o processo relativo à sua justa emancipação, subscrevo, com prazer, o voto em separado do Deputado Pinto Coelho Filho".

        O que acaba de ser lido está no DIÁRIO DA ASSEMBLÉIA, de 26 de novembro de 1953. E no mesmo DIÁRIO, do dia seguinte, 27 de novembro, no “QUADRO B – Municípios criados”, costa que foi proposto o topônimo Presidente Bernardes para o município causado pela emancipação do Distrito de Calambau.

    Um deputado perrista foi o autor da façanha assim gozada por Carlos Drummond de Andrade, no Correio da Manhã, de 14 de janeiro de 1954:

Estava na cidade de Calambau posta em sossego, quando um deputado perrista reparou em seu saboroso nome e achou-o feio; o senso estético revoltou-se e, unido ao senso cívico, (esta mistura é rara), redigiu logo um projeto – de – lei nos seguintes termos:

Artigo único – Calambau passa a chamar-se Presidente Bernardes.

        Houve quem atribuísse o traumatizante rabo de arraia, o incrível passe de mágica à CEDAJE, cujos digníssimos membros não ignoravam a existência de uma lei, em vigor, proibindo a mudança de topônimo, quando comprovada a existência de outro idêntico ou semelhante no território nacional, e impedindo que na designação de novos topônimos, fossem utilizados nomes de pessoas vivas.

        Ora, no Estado de São Paulo, havia e ainda há o Município de Presidente Bernardes, criado em 1925, com a emancipação do Distrito de Guarucaia.

        O ato foi mesquinharia não honrou o velho Arthur, mas feriu profundamente os brios de quem ama a terra natal que ficou sem o melhor patrimônio, o seu nome, sua honra maior. Tanto o não honrou, que o homenageado não tomou conhecimento nem passou recibo da esquisita homenagem que lhe foi prestada.

        O referido ato só foi louvado e aplaudido por fanáticos que até hoje ainda sacrificam tudo à paixão política: a tradição do berço, o respeito às origens, o amor à pátria e outras prendas que influem na formação do caráter.

É pena haver ainda quem se recusa a aprender a lição de Rui Barbosa: A pátria é o céu, o solo, o povo, a tradição, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados.

        Já houve uma lei severa punindo com castigos multas que apagasse qualquer inscrição lapidar esculpida a fim de perenizar verdades históricas que nunca deverão ser desfeitas na memória dos homens.

        Não sei como classificar o crime de quem, estouvadamente, apaga, na História e na Geografia, nomes que, nelas, deveriam ser rigorosamente conservados e defendidos. Pois nada descaracteriza mais uma pessoa ou uma cidade ou um município do que a mudança do seu nome. Quem o firmou foi o sociólogo e historiador João Camilo de Oliveira Torres.

        Escrevendo sobre o velho nome de Calambau, no Correio da Manhã de 14 de janeiro de 1954, Carlos Drummond de Andrade declarou:

O passado vale mil vezes o presente, o qual só valerá alguma coisa daqui a mil anos, e olhe lá. Os nomes de cidades, feios ou bonitos, deviam ser tombados para sempre pelo Patrimônio Histórico e punido com pena de morte quem ousasse trocá-los. Não toquem os nomes. Não adiante nada à glória dos sujeitos, e gera na alma de cada munícipe um profundo, irreparável desgosto.

        Encerrando este artigo, permito-me transcrever aqui as palavras de Demóstenes contra Timócrates: Se alguém fizer uma lei nova, que a faça com um laço no pescoço para que, no caso de ela não ser honesta nem justa nem útil, se enforque no mesmo laço.

(Padre Pedro Maciel Vidigal)