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Livro de visitas

Data: 18/10/2013

De: Murilo Vidigal Carneiro

Assunto: O Brilho da Rapadura

O Brilho da Rapadura (José da Conceição Bernardes)

A alegre satisfação de quem já esteve em um engenho de rapadura a presenciar a esplendorosa magia da transformação da cana-de-açúcar em um tablete ou tijolo doce, desde a moagem da cana ao momento mágico da puxa a informar o estágio adequado do batimento do melado a se transformar em pasta e do enformar, é coisa não muito fácil de ser explicitada. Colocada na fôrma, a pasta agora recebe as cunhas que lhe dão o conhecido formato com a face superior belamente brilhando como vidro. Ainda tudo morno, retiram-se as cunhas e com as mesmas o artesão retira ou raspa as pequenas imperfeições da rapadura, ocorrendo aí outro momento mágico: a rapa. Nada é igual a rapa quente do engenho.

Esta magia é revivida por cada doceira ao fazer as conhecidas guloseimas estimadas pelas crianças, especialmente as maiores de 60 anos.

Com tudo isto em mente me lembrei do Liquim. Não se sabe, até hoje, se o capeta era mais comportado que o Liquim. Dizem que sim. A Dona Adelaide era doceira de mão cheia e a mancheias o Liquim ia e vinha com uma bandeja de doces angariando compradores pela rua afora. Basicamente ela fazia três formas de doces de leite. Um era de cor branca de formato retangular. Outro era da cor de rapadura, dificilmente trabalhado em forma de losango. O terceiro, também da cor de rapadura, era de forma arredondada, parecendo uma mancha.

A casa da Dona Adelaide era perto de onde eu morava, no início do Caminho do Moinho, e era compulsória a passagem do Liquim defronte a minha casa. Não demorou muito, arquitetei um plano para comer aquele doce. Não havia dinheiro e o Liquim tinha que prestar conta das vendas à Dona Adelaide. Propus a ele o seguinte e ele topou: lamberíamos os doces do lado oposto ao brilho para não ofuscá-lo, a aparecer sempre novo. Lamberíamos, também as bordas, já que elas estavam sempre abarrotadas de pequenas imperfeições, o que não ocorria com os doces arredondados.

Rapidamente, enquanto o Liquim lambia uma parte dos doces, eu lambia a outra parte, e no final tínhamos que arranjar tudo como estava na bandeja, com cuidado. Não sei se alguém desconfiava quando o Liquim entrava em minha casa e após, cerca de 10 minutos, saía. Nem sempre ele podia estar lá. Sempre havia pessoas no “escritório” do Seu Luiz, mas, de vez em quando...

- Ninguém viu. Traz a bandeja... rápido.

Outubro de 2013.
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