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Data: 05/08/2013
De: Murilo Vidigal Carneiro
Assunto: UMA JORNADA DE ENCONTROS
UMA JORNADA DE ENCONTROS!
Cacá Diegues
Tenho acompanhado a Jornada Mundial da Juventude ao longo
desta semana e, pelo menos até o momento em que escrevo
este texto, o faço com surpresa e admiração. Apesar das
vicissitudes de transporte e circulação, há muito tempo não via
as ruas da cidade tão alegremente movimentadas e coloridas.
Mesmo por onde o Papa não é esperado passar, bandos de moças
e rapazes carregam bandeiras de seus países e cantam hinos
em diversas línguas, num carnaval de rua cosmopolita, sereno e
empolgante. Confesso que até me emocionei ao ver casualmente,
no calçadão da Avenida Atlântica, um inesperado encontro de
confraternização entre um grupo de jovens iranianos com a
bandeira de seu país e outro de americanos com a dos Estados
Unidos.
Não é preciso ser católico, nem ter qualquer religião, para
se encantar com o que está se passando no Rio de Janeiro.
Estamos assistindo a uma experiência daquilo que o rabino
Abraham Skorka, coautor de livro em parceria com o Papa
Francisco, "Entre o céu e a terra", chamou de "cultura do
encontro". Um encontro não é uma adesão ao outro, nem mesmo
a abertura de um diálogo em busca de alguma verdade única e
absoluta. Um encontro é apenas isso mesmo, a aproximação entre
pessoas, mesmo que elas não tenham as mesmas ideias, nem
estejam dispostas a pensar sobre o que pensam.
Um dos aspectos mais relevantes da Jornada tem sido o dos
diversos eventos inter-religiosos, uma busca sem tensão por
alguma coisa em comum entre crenças tão diversas. A busca
do abraço universal, do humano em cada fé. Assisti a reuniões
de peregrinos católicos de vários países com praticantes da
umbanda e do candomblé cariocas, no Estácio e em Caxias. E a
uma mesa de debates na PUC, na Gávea, da qual participavam
bispos, rabinos e xeques, com uma plateia lotada de jovens
católicos, judeus e muçulmanos. Nesses encontros, o que se
punha em discussão não era a verdade teológica de cada um, mas
a necessidade de paz, de entendimento e de amor num mundo tão
conturbado, inclusive por guerras religiosas.
Nunca acompanhei as Jornadas anteriores, nem sei mesmo do
que cada uma delas tratou no passado, em Roma, Colônia ou
Madri. Mas imagino que as novidades comportamentais trazidas
pelo novo Papa tenham influenciado a atmosfera do que está
acontecendo no Rio. Num livrinho de extrema pertinência
sobre suas ideias, "Fancisco de Assis e Francisco de Roma",
Leonardo Boff, um dos principais pensadores da Teologia da
Libertação, faz a pergunta que todos nós gostaríamos de poder
responder afirmativamente: "Uma nova primavera na igreja?"
No seu discurso em Aparecida, o Papa pode ter-nos respondido a
pergunta, quando pediu aos jovens que se deixassem surpreender
pela vida e que a vivessem em alegria. E ainda mais em sua fala
militante na favela de Manguinhos, quando exortou a juventude a
não perder a sensibilidade para as injustiças e para a corrupção.
É como se tivéssemos atraído para cá e tornado universal a
discussão do tema que hoje nos é mais caro.
A Igreja Católica, a primeira e mais antiga organização
globalizada do planeta, precisa responder às ânsias de
seu povo no século 21. Ela segue prisioneira de conceitos
anacrônicos sobre política social, drogas, moral sexual, aborto,
homossexualidade, celibato, pesquisas com células-tronco e
até "a forma de poder absolutista dos papas", como diz Boff.
Mas Francisco está certo quando diz que tudo começa com
o encontro. E ele sabe promover esse encontro: que homem
público brasileiro sairia ileso daquele engarrafamento que o
Papa enfrentou em sua chegada ao Rio, com a janela do pequeno
carro aberta e a disposição de cumprimentar a multidão que se
aproximava dele?
É ridículo e mesquinho reclamar de gastos públicos com a
Jornada e a vinda do Papa ao Brasil. Em primeiro lugar, porque
o estado não está só cumprindo obrigação protocolar, mas
também fazendo um investimento com retorno certo, produzido
pelo que deixa no Rio a multidão vinda do exterior e de outras
cidades do país. Além disso, o estado tem mesmo o dever de
investir no ordenamento, segurança e atendimento médico das
manifestações de massa realizadas na cidade, não importa de que
natureza. Assim como nem todo brasileiro é católico, nem todo
carioca é carnavalesco, e nem assim é justo contestar o que o
estado gasta com o carnaval. Mas para alguns, Rei Momo pode; o
Papa Chico, nem pensar.
Independentemente de qualquer profissão de fé, Francisco nos
anuncia o projeto de um mundo mais simples e mais humano. Um
mundo sem ostentação e sem pompa, sem a hegemonia irracional
da riqueza e do consumismo delirante que destrói o planeta e a
humanidade. Seu amor à esperança é comovente. "Não deixem
que lhes roubem a esperança", disse ele no Rio, aos participantes
da Jornada Mundial da Juventude, "sejam vocês mesmos os
portadores da esperança." Não é pouco que um líder mundial de
sua importância pense e fale desse jeito.
Cacá Diegues(Cineasta).