Ser CALAMBAUENSE, é ter berço diferente! É recordar o passado, acreditar no futuro e viver o presente.


Contos, causos, poesias, pensamentos...

Data: 05/07/2013

De: Quintão, F.P.

Assunto: O que é ser calambauense

O que é ser calambauense (por um quase-calambauense)

Outro dia mesmo, numa dessas madrugadas mornas de janeiro, eu estive pensando no que é ser calambauense. Tudo bem que isso é um estado de espírito (e portanto inconceituável), mas não custa nada tentar descrever esse estado; longe de mim querer montar uma retórica sobre este assunto, principalmente porque nunca fui letrado nessas ciências humanas de Voltaire, Durkheim e outros desta mesma casaca. Essa é apenas a descrição feita por alguém que vive em constante busca por esse estado de espírito e que obtém muito prazer nos raros momentos em que o encontra. Vamos lá então.

Primeiro, e antes de qualquer outra coisa, você tem que ter o Bar de Hugo como o seu objetivo de chegada, sempre. Se você não vai ao Hugo, por ideologia ou alguma idiossincrasia besta, então me desculpe, mas você não é um calambauense legítimo. O Bar de Hugo está para o calambauense assim como a Praça Vermelha está para o moscovita, ou a Torre Eifell para os habitantes de Paris. Isso não impede que você frequente outros bares; esse da esquina da sua casa talvez até tenha uma cerveja mais gelada, mas aposto que ele não tem o cheiro de Calambau. Uma visita ao Bar de Biri também é fortemente recomendável.

Segundo: você tem que ter ido a uma festa de casamento no Ginásio. Se você nunca foi, seu título pode ser caçado. Nesse caso, é no mínimo obrigatório que você já tenha ido a uma festa de casamento na roça (com direito a macarrão com pato, macarronada, tutu e leitoa - se não havia alguns destes pratos, sinto muito...).

Você também já deve ter ido a uma festa na casa de Zé Fernandes, de preferência em alguma organizada no terreiro lá atrás (com comida feita no fogão à lenha que lá se encontra). Se você nunca foi, meus pêsames: não é calambauense. “Bater paiada" no dia seguinte também conta muito pro currículo.

Se você nunca voltou “da rua debaixo” numa madrugada, e passou pela “rua nova”, então não tem jeito. Por outro lado, se você voltou, e ainda por cima estava embriagado, então ganhou pontos extras. Se você nunca foi ao Morro do Pito numa procissão, então a coisa complica. Você devia ter ido e ainda por cima ter levado uma vela para ir queimando sua mão no meio do caminho (sim, qualquer honraria só é obtida com um respectivo sacrifício). Na volta você acompanhou a jogada do Judas de cima da ponte (caso contrário foi tudo por água abaixo...).

Além disso, você deve ter pulado Carnaval no salão da USE. Se não o fez, não é calambauense de maneira alguma. Se o fez em outro salão, então ... você também tem que ter saído no Carnaval da Mamona, e deve participar de quaisquer outros eventos cívico-culturais que por ventura sejam organizados sob o mesmo caráter.

Pelo menos em mais da metade das suas férias de julho você tem que ter ido para a Festa da Cana. Você passa o ano inteiro esperando a festa, e não troca esta viagem nem mesmo por uma ida à praia. Se você foi à festa, mas não comprou-ou-arrumou-ou-roubou um copinho, então nada feito ... Nos dias da festa você sempre torce pra fazer mais frio do que no ano anterior. Você está sempre por dentro das cachaças que concorrem ao título, e sempre procura os amigos para enfrentar a fila na barraca de distribuição. Você só volta pra casa depois que quase todo mundo já foi, e geralmente senta-se no chão com o pessoal para ficar batendo papo e tirar o doce das canelas. Você fica em calambau até à segunda-feira esperando a festa da Ressaca (e participa desta). Levanta a vai pro Hugo ouvir samba e rebater a ressaca dos 3 (ou mais) dias. Se você não gosta da festa da Ressaca, é uma pena... perdera a chance de ser um calambauense.

Existem obviamente outras obrigações a você calambauense. Você tem que conhecer a “Trem das Onze" do Adoniram, senão sinto muito, mas não pode ser... você já deve ter vagabundado pelas ruas com algum outro companheiro entoando alguma canção de homenagem ao Calambau. Você já foi ao Cruzeiro para tomar cerveja la em cima (só vale se você foi e voltou pela trilha). Você também já deve ter experimentado da maravilhosa especiaria composta por cachaça e algum refrigerante de qualidade duvidosa (se for algum refrigerante de multinacional não adiantou nada); se o copo em que provara foi o do 1° Festival da Cachaça, então você manterá a faixa de calambauense; caso contrário...

Se quando você era novo você não se aventurou a descer “o morro” (aquele de terra perto do grupo), então você pisou na bola (por falar em bola alguma vez você pulou o muro do grupo pra bater uma pelada lá com a galera?). Você também tem que ter visto o “Pereira" ou o boi-bumbá. Se você teve a honra de ser convidado para a Festa dos França, mas não caiu no barro, então perdeu a chance de se batizar calambauense. Dormir sob o sereno da noite no banco da praça também vale muitos pontos... Ficarei aliviado se você disser que já leu algum exemplar do “Cê sabia?”.

Descer o rio de bote ou de bóia, nadar na pedra, ter ficado preso na cidade pelo menos uma vez por causa da enchente. Voltar de madrugada de algum sítio da região após um pagode com muita cachaça (se você estava a pé e as condições pluviométricas eram longe das ideais, meus parabéns); ter a camisa de alguma festa da cidade, ser conhecido por “Calambau" entre os amigos da escola e do trabalho. Só comer feijão-preto (feito em panela de pedra), já ter pescado lambari, trazer cachaça para os amigos da sua cidade ...

Se o seu carro nunca atolou no barro então você não é calambauense. Da próxima vez faça o favor de direcionar o seu automotor para um atoleiro, a fim de que o mesmo fique agarrado na lama. Em seguida você tem que ficar pelo menos uma meia-hora tentando tirar o carro do barro (menos de meia-hora é pouco). Se seu carro já perdeu o cano de descarga na estrada de Piranga, então ótimo, você já é quase um calambauense legítimo; caso contrário, você está vindo pouco a sua terra natal, então por favor compareça nos próximos finais de semana livres.

Ir de Belo Horizonte para Calambau sem fazer paradas é uma heresia. O herege deve aprender que se deve parar no Bar do Seu Jair, em Itaverava, para provar, no mínimo, um pastel de queijo (não se deve fazer desfeita). Os não-motoristas já podem aproveitar e pedir uma Brahma gelada. Obviamente a viagem por outros caminhos apresenta os seus respectivos pit-stops, que devem ser respeitados por todo e qualquer calambauense (diz a lenda que nas viagens para Ubá havia uma parada em que se comia pão com linguiça).

Por fim, você deve em todos os momentos carregar a sua cidade no coração e na mente. Para o coração, você pode usar uma camisa, ou ter um retrato ou um adesivo sempre por perto.
Para a mente, um boné! USE na cabeça!

Quintão, F.P,
Janeiro/Fevereiro, 2004

(Deliciosa crônica escrita por um jovem filhos de calambauenses e residente em BH)


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