Ser CALAMBAUENSE, é ter berço diferente! É recordar o passado, acreditar no futuro e viver o presente.


Contos, causos, poesias, pensamentos...

Data: 22/03/2012

De: JR Quintão

Assunto: LENDA DA FUNDAÇÃO DE CALAMBAU

LENDA DA FUNDAÇAO DE CALAMBAU

Autor: JR Quintão

Costumeiramente, menos nos dias frios e chuvosos, ao cair
da tarde e quando os penúltimos raios solares escondiam-se
atrás dos montes, o querido Tio Nico, em companhia de buliçosos
sobrinhos, caminhava até a Volta Redonda, última curva da
estrada donde descortina os primeiros casarios do pequeno
arraial. Os sobrinhos, encantados e atentamente, escutavam
as histórias, as lendas e principalmente os casos de assombra-
mentos ali ocorridos, narrados com tamanho poder de persuasão,
que várias crianças corriam, à noite, para o quarto de seus pais,
temerosos dos fantasmas criados pelo contador de histórias.
Numa dessas ocasiões inventou e contou a lenda que deu origem
ao nome do vilarejo, a qual se não é verdadeira é bem provável
que assim o seja, ou como se diz em italiano: “se nom è vero è
bene trovato”.

A caça, a pesca e os frutos comestíveis, escasseavam.
Invocado Tupã (Deus) e exorcizado Nantshome (diabo), o Pgé
Pó-Atú orientou ao cacique Qustote para levantar o acampamen-
to situado na confluência do Uatú-yupu (Rio Doce) com o Uatú-
Bukúkúke (Rio Piracicaba) e transferi-lo para o Uatú-Piranga (Rio
Piranga).

O grande cacique dos índios Botucudos, acatando os
conselhos do velho Pagé, determinou a retirada do seu povo
daquele sítio, dentro de duas Tary-hum (lua nova). A seguir
convocou seis dos melhores caçadores e remadores da tribo para
localizarem no Uatú-Piranga, nascente do Uatú-yupú, um novo
campo de caça, pesca e de árvores frutíferas.

Vencidas as corredeiras e as cachoeiras do Uatú-Piranga, os
índíos batedores, após longa e cansativa viagem, localizaram um
magnífico local, onde, entre montanhas, o rio corria manhosa-
mente num leito de inúmeras e caprichosas curvas, formando
daqui e dali remansos ensobreados por frondosos ingazeiros e
jambeiros.

A rala vegetação que margeava o rio, por várias léguas,
colaboraria sobremaneira na instalação da tribo e principalmente

no deslocamento dos caçadores à busca de suas presas.

Três dos índios batedores permaneceram no sítio escolhido
para melhor reconhecimento do terreno e verificar a inexistência
de tribos hostis, e os outros companheiros regressaram, ao
local de origem, para anunciarem a boa nova e colaborarem no
deslocamento da tribo.

No exato momento em que a “torou qunkek (lua) derramava
por sobre a taba toda a sua luminescência, a formar um belo
contraste com o céu anilado e estrelado, os três recém-chegados,
dispostos no centro da oca principal, com palavras acompanhadas
de exagerados gestos, descreveram toda beleza e fartura do novo
sítio.

À medida que a tribo evoluía na caminhada, em busca de
seus objetivos, os índios alegremente observaram: as acrobacias
dos assustadíssimos macacos; os vôos de variadas aves que
nidificavam nos ramos das gigantescas árvores; bandos de
espertas pacas e gordas capivaras a mergulhar nas verdoengas
águas do rio; enormes cardumes de peixes de várias espécies
a exibir as cores projetadas pelas suas belíssimas escamas,
destacando-se as dos esfomeados dourados, que em pulos
acrobáticos tentavam abocanhar as temerárias borboletas, que,
em vôos rasantes, miravam-se no espelho d`água.

Recebidos por rubra revoada de guarás, aves avermelhadas,
ciconoformes da família dos tresquornitídeos, os índios botocudos
sentiram que eram bem-vindos. Obedecidas as ordens do
cacique Qustote as índias depositaram no chão as “tang”(cesta
de palhas), que até então estavam seguras em suas testas e
apoiadas nos ombros, delas retiram os alimentos, os utensílios e
os filhos menores.

O respeitado Pagé Po-Atú isolou-se do grupo e alcançou um
dos pontos mais elevados do Sitio, onde a tribo alojara-se - Tio
Nico, fez uma pausa, e indicou, aos seus atentos e curiosos
ouvintes, o morro, no qual foi implantado um belo e grande
cruzeiro de madeira.

O Pagé extasiou-se com a beleza descortinada e com muito
sacrifício preparou uma fogueira, acendeu o cachimbo e, após
algumas baforadas, mascou folhas de uma planta alucinógena e

a seguir, com os braços erguidos acima da cabeça, invocou os
espíritos ancestrais. Concluída a oração isotérica, acompanhada
de sons e grunhidos estranhos, apanhou uma porção de terra,
mirou o céu, o vale, e observou com muita atenção as sinuosas
curvas formadas pelo leito do rio. O vento, que até àquele
momento encontrava-se totalmente parado, soprou uma forte
lufada que espalhou o pó espargido pelo Pagé sobre a nova
terra ocupada pelo seu povo. Concluída a pajelança da posse
pronunciou os seguintes dizeres:

Abençoada sítio de Kara e Ambau (lugar onde o mato é ralo
e o rio faz curvas) que tão bem acolheu o meu povo. O nome
que é dado a este local pelos os espíritos de meus antepassados
deverá ser lembrado por todas luas, Maldiçoado seja àquele que
tentar olvidá-lo e/ou muda-lo, porque sobre ele recairá as iras de
Natshone (diabo) e as futuras gerações o vilipendiará. Assim foi
dito e assim será cumprido.

Em 1710 o taubateano João Siquera Afonso, a fim de
prear índios e catar ouro, arribou naquele sítio, onde fundou
uma pequena comunidade e ciente da maldição do Pagé Pó-
Atú, apenas aportuguesou o nome de Kara Ambaua para
CALAMBAU, cujo nome, depois de mais de duzentos anos, por
pura sandice política foi trocado por outro. À despeito do novo
nome oficial que foi impingido, o nome CALAMBAU permanecerá
para sempre no âmbito dos calambauenses autênticos e nos
anais da história portuguesa e brasileira.


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